No primeiro dia dos “Diálogos da Semana do Consumidor”, evento realizado no ambiente online pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do Procon-MG, para discutir o impacto da pandemia nas relações de consumo, especialistas da área foram unânimes em lamentar e questionar os reajustes efetuados neste ano pelos operadores de planos de saúde no Brasil, especialmente diante de um quadro de agravamento da pandemia da Covid-19 em todo o país. Hoje, esse mercado atende cerca de 45 milhões de pessoas. Em 2021, a Agência Nacional de Saúde (ANS) autorizou as operadoras a reajustar mensalidades e a recompor valores.
“Isso significa para consumidor, em média, um impacto a partir deste ano de 34% a 50%. Quem consegue fazer frente a esse aumento?”, questiona a coordenadora do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Carolina Navarrete. Ela, juntamente com o promotor de Justiça do MPMG e coordenador do Brasilcon, Fernando Rodrigues Martins, e o promotor de Justiça de Defesa do Consumidor em São Paulo Denílson de Souza Freitas, concordaram que, no momento atual, a medida ignora as circunstâncias externas provocadas pela pandemia.
“Em plena época de maior dificuldade para os consumidores, vem um argumento baseado somente na eficiência e sem verificar as circunstâncias. Ilegítimo, injusto e irracional”, ressaltou Fernando Martins. “O boleto a ser pago não vai ser pouco, e estamos no pior momento da pandemia. E as operadoras estão com queda de despesas e aumento de receitas”, acrescentou Denílson.
Segundo Ana Carolina, em 2020, a ANS adotou medidas no combate à pandemia, “algumas muito favoráveis às operadoras, como adiamento de prazos de atendimento; outras razoavelmente favoráveis ao consumidor, como a suspensão de reajustes pelos planos”. Como resultado, observou-se uma queda nas taxas de uso até julho, com economia para as empresas. Após esse período, a sinistralidade voltou ao seu patamar tradicional.
Denílson Freitas revelou que o número de beneficiários aumentou a partir de setembro de 2020, como em MG, RJ e SP. “Mas a ANS usa esses dados para não tomar providências no sistema de saúde. E muitas pessoas tiveram a redução da renda, vão sacrificar o sustento da própria família para honrar o pagamento do plano de saúde”, observou. Ele disse que a ANS foi provocada para negociar algo que proporcionasse ao consumidor o pagamento de uma mensalidade razoável. “Obtivemos como resposta que o setor de plano de saúde está sólido, que há um aumento no número de usuários”.
A integrante do Idec disse que ainda houve, por parte do instituto, uma cobrança da ANS para uma melhor avaliação do setor, diante da economia observada pelas empresas, e para verificar o quanto faz sentido cobrar dos consumidores o reajuste, “considerando que o mercado está muito bem, e o consumidor está muito mal”. De acordo com ela, foi ajuizada ação contra medidas adotadas pela agência reguladora, mas o pedido de urgência foi indeferido pela Justiça.
Para o promotor Fernando Martins, há algumas saídas externas para esse tipo de aumento: “um contrato relacional exige o dever de cooperação e o dever de solidariedade”. Segundo ele, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê a possibilidade, em obrigações onerosas excessivas, de que o juiz faça o reequilíbrio do contrato. “Se trabalharmos com todo o sistema jurídico, podemos aplicar instrumentos contra esse aumento”, disse.
“Nessa situação de pandemia, com o empobrecimento e endividamento de boa parte da população, não há razão para que se aplique revisão. Se houver, que seja favorável a quem está perdendo. Nenhum contrato pode ser prisão. Contrato é liberdade e solidariedade”, ponderou.
Consequências em longo prazo
Conforme o promotor de Justiça do MPSP, há agora, por parte da ANS, uma preocupação com o mercado, mas não com a situação do consumidor, inclusive com o aumento da reclamação dos usuários em relação ao reajuste. “Isso mostra uma insatisfação e dificuldades de arcar com compromissos assumidos pelo consumidor. Assim, poderemos ter uma migração do sistema privado para o SUS, sobrecarregando inclusive o sistema público”, avaliou Denílson. “Com menor receita, as próprias operadoras de planos terão problemas no futuro”.
Para ele, a intervenção estatal tem que ser mais forte nas falhas de mercado, especialmente diante do contexto atual. “Na pandemia, essas falhas são mais exacerbadas. Os contratos relacionais necessitam de uma visão diferenciada. Muita gente vai ter um plano por toda a vida. Precisamos de bom senso, de um olhar da função social do contrato e da preservação dos direitos fundamentais”.
A abertura do evento contou com a participação do procurador-geral de Justiça, Jarbas Soares Júnior, e do coordenador do Procon-MG, Rodrigo Filgueira de Oliveira. A mediação das discussões foi feita pelo defensor público Daniel Firmato de Almeida Glória.
Semana do consumidor
O Procon-MG realiza, entre os dias 16 e 22 de março, o evento "Diálogos da Semana do Consumidor: O Impacto da Pandemia nas Relações de Consumo". O evento ocorre das 17h às 18h30, pelo Microsoft Teams, e é voltado para integrantes do MPMG e integrantes do Sistema Estadual de Defesa do Consumidor.
Contratos escolares, planos de saúde, transporte aéreo, turismo, abusos e elevação de preços serão alguns dos temas abordados por especialistas convidados.
Fonte: Ascom MPMG