Por unanimidade, os julgadores da Primeira Turma do TRT-MG reformaram a sentença proferida pelo juízo da 6ª Vara do Trabalho de Contagem, para condenar uma rede de supermercados a pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 5 mil, ao ex-empregado discriminado por ter cabelo “colorido”. O trabalhador também teve reconhecida a rescisão indireta do contrato de trabalho, com pagamento das verbas rescisórias devidas.

Com base nas provas, a relatora, desembargadora Maria Cecília Alves Pinto, ficou convencida de que o auxiliar de açougue sofreu discriminação ostensiva no ambiente de trabalho, em absoluto desrespeito à dignidade do trabalhador.

Nesse sentido, áudio apresentado no processo revelou que, no dia 11/6/2023, o gerente disse para o empregado: “Eu vou deixar você pegar hoje, mas a partir de amanhã eu não deixo, aquele dia que você estava de cabelo rosa lá, beleza, pelo menos estava de uma cor só, mas o cabelo seu está de duas cores [...] você está usando brinco [...] mas não pode [...]".

Na oportunidade, o chefe pontuou ainda que “toda empresa tem regras” e que o empregado não poderia se apresentar daquela forma, pois estava “muito chamativo”. Enfatizou que “norma a gente não discute, a gente só cumpre, então, assim, a partir de segunda-feira, se você vier, você não pega, fechou?”

Testemunha apontou que o autor foi impedido de trabalhar, por cerca de uma semana, e só retornou ao trabalho após reclamação feita ao departamento de RH. Por sua vez, o cartão de ponto anexado ao processo registrou que o autor estaria de “atestado médico” nos dias 12, 13 e 14 de junho, com descanso semanal remunerado no dia 14 de junho, retornando efetivamente ao trabalho no dia 16/6/2023.

Diante do contexto apurado, a relatora concluiu que “o autor foi discriminado no ambiente de trabalho, em razão de sua aparência/estética, o que não pode ser tolerado, por se constituir em conduta reprovável e que atenta contra a dignidade da pessoa humana, alçada à condição de fundamento da República (artigo 1º da Constituição), além de afrontar direitos fundamentais do reclamante assegurados constitucionalmente, tais como o direito à liberdade e à intimidade”.

A julgadora constatou que, ao tempo do fechamento do ponto e do pagamento do salário do mês de junho de 2023, a empresa já estava notificada da reclamação trabalhista. Para ela, a empresa deveria ter provado que o autor não trabalhou por estar de licença médica, e não por sofrer “suspensão” em razão da aparência física. Entretanto, nenhuma prova nesse sentido foi apresentada, levando a crer que o registro de afastamento visou inibir a prova da conduta discriminatória dispensada ao trabalhador.

A decisão se fundamentou na Lei nº 9.029/1995, que proíbe práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Eis os trechos dos artigos 1º e 4º citados no julgado:

“Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. [...] Art. 4º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre: I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais; II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais".

Também houve menção ao Decreto nº 62.150/1968, que promulgou a Convenção nº 111 da OIT sobre discriminação em matéria de emprego e profissão. O artigo 1º foi destacado na decisão:

“Para fins da presente convenção, o termo 'discriminação' compreende: a) Toda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, cor, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprego ou profissão".

Com esses fundamentos, a relatora deu provimento ao recurso para condenar a rede de supermercados ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 5 mil. “Tem-se que a postura da ré, por meio dos atos de seus prepostos (art. 932/CC), denota desprezo pela dignidade do trabalhador, revestindo-se de gravidade, na medida em que evidencia injustificável preconceito em decorrência da aparência/estética do empregado, caracterizando lesão à honra subjetiva e também objetiva do obreiro, já que os fatos narrados ocorreram na presença de outros empregados”, registrou.

Para a relatora, a conduta da empregadora também autoriza o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, por culpa patronal, nos termos da alínea "d" do artigo 483 da CLT. Desse modo, o colegiado deu provimento ao recurso também para condenar a ré ao pagamento de aviso-prévio, 13º salário e férias proporcionais, acrescidas de um terço, FGTS+40%, além de anotação da saída na carteira de trabalho e expedição das guias do seguro-desemprego.